segunda-feira, 21 de outubro de 2013

...

Há para ali um sitio ermo, ermo, a norte do país, onde costumo dar formação e que à volta não tem nada, nada (lá está, é um ermo) onde ir almoçar, à excepção de um sitio que conheço e adoro, mas que nos obriga ainda a fazer alguns klms de carro. Como tal, durante a manhã, pergunto aos meus formandos se conhecem, e preferem, algum outro outro sitio, ou se me acompanham no almoço.
E assim foi também desta vez; telefonei a reservar mesa e lá fomos em parada, até este restaurante que adoro.

Todo o almoço foi acompanhado por ahs e ohs de satisfação (comidinha caseirinha daquela que é raro já encontrar) e a conversa corria bem disposta.
Tão bem disposta corria a conversa que, distraída, quando me perguntaram o que queria (dentro do que havia disponível, e que era muito por sinal) ouvi a minha própria voz pedir um arroz-doce.

Homessa! Um arroz-doce? Um arroz-doce?! Na minha cabeça ficou a ecoar doce, doce, doce...
Mas há anos (muitos, demasiados anos) que não como arroz-doce! O único de que alguma vez gostei era o da tia Mimi (não me perguntem porquê mas tirando o da tia, todos me agoniam)!
E agora, o que faço?

Não quis fazer desfeita e lá veio o arroz-doce; peguei no frasquinho de canela e pus-me a brincar fazendo desenhos sobre o arroz; um risquinho, depois outro, mais um a atravessá-lo, outro traço e cá está uma bonita letra, agora faz-lhe um circulo...tudo isto na tentativa de que os outros acabassem as suas sobremesas e eu pudesse tirar só um tiquinho, desarrumar o prato e ninguém reparasse que não o tinha comido.
Mas fui interrompida pelo dono da casa que me perguntou se agora que o prato já estava bonito, não ia comer o arroz...
Glup...
Todos os olhos se fixaram em mim; com um sorriso amarelo, levei uma colherada à boca...
os olhos encheram-se-me de água, as emoções tomaram conta de mim...
Uma formanda perguntou aflita:
- Está assim tão mau?
As palavras formavam-se na minha cabeça, mas a voz estava asfixiada pela comoção...
Foi só ao fim de um tempo que me pareceu infinito, que consegui dizer:
- Desculpem, está óptimo. Trouxe-me foi muitas recordações.

E comi aquele arroz-doce devagar, devagarinho, em silêncio, saboreando cada baguinho, lembrando cada pedacinho de ti Mimocas, o teu cheiro a canela e erva-doce, o teu sorriso doce, os teus olhos pequeninos e brilhantes, a tua voz e o teu riso, a tua longa trança enrolada num carrapito que só desfazias à noite, as tuas mãos, o teu abraço quentinho, o teu colo perfeito onde eu cabia inteirinha...

Passamos a vida a tirar fotografias, tentando guardar momentos, pessoas, o que estávamos a sentir, mas na verdade isso não é preciso; as nossas pessoas, vivem para sempre dentro de nós, guardadas na memória de um cheiro que o vento traz, no som de um riso de alguém, no estalar de uma tábua do soalho, no crepitar de um cigarro no escuro da noite, numa música, ou até, num prato de arroz-doce.



9 comentários:

  1. Os sentidos que não usamos tanto são sem dúvida os mais poderosos. São os que nos pintam quadros gritantes com as mais belas lembranças, são os que nunca nos deixam esquecer. Ainda bem. :)

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  2. Os nossos sentidos perduram mais do que uma foto.
    Fazem-nos recuar anos e anos, transportam-nos para alturas passadas.
    A saudade é uma coisa tramada.

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  3. Os nossos sentidos perduram mais do que uma foto.
    Fazem-nos recuar anos e anos, transportam-nos para alturas passadas.
    A saudade é uma coisa tramada.

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  4. So true :)
    Os perfumes de Outono lembram-me o meu pai, o cheiro da maresia a minha mãe.
    Saudades...

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  5. Emoções assim só mesmo com um arroz doce feito no ... Norte!! Ou não fosse eu nortenha!! Beijinho e boa semana...

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  6. Entendo perfeitamente. E é tão bom que consigamos recordar quem amamos nestas pequenas coisas.

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  7. Os cheiros, os sabores trazem-nos certas pessoas, as nossas pessoas, à memória. É bom, muito bom...

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  8. Que felizes recordações esse arroz doce trouxe... :)

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  9. Ahhh... de ficar com água na boca! Mas afinal como se chama e onde fica esse restaurante?

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