terça-feira, 9 de setembro de 2014

Fico azul quando os vejo desaparecer!


Ontem, encontrei no FB de um amigo esta foto que me trouxe à memória paredes de prédios e igrejas em Alfama, S. Vicente de Fora, Graça, na encosta do Castelo de S.Jorge e na casa dos meus pais.
A casa dos meus pais fica num antigo convento; a data da sua construção é anterior ao terramoto de 1755 (soubemos a data da sua construção quando há umas décadas, era eu ainda pequena, se fizeram obras na cave do edificio e atrás de uma parede falsa foram encontrados, para além de duas forcas (oh yeah!) uma quantidade tremenda de livros e plantas. Um dia, em tendo tempo e paciência, talvez vos venha a falar destes tesouros).
Logo que se passavam as duas grandes portas de madeira do edificio, pareciamos recuar no tempo; chão de laje grande já polida pelo tempo, azulejos de época nas paredes e uma enorme escadaria de madeira ladeada por grossos corrimãos em ferro, levavam-nos ao primeiro piso onde ainda se via, pasme-se, uma pia baptismal; para o andar seguinte a escada estreitava porque era por aí o acesso às celas dos monges.
Do convento original só este edificio sobrou; no terreno adjacente, à direita  ergueu-se o Hospital da Marinha e à esquerda havia uma antiga estância ou serração de madeiras.
Mas voltando ao tema, todo este belissimo edificio estava adornado com azulejos lindissimos; nuns casos painéis inteiros e noutros apenas fragamentos ou mesmo, como no caso da minha cozinha, um azulejo de cada nação, todos agrupados sem grande, ou nenhuma mesmo, preocupação estética compunham um pano de fundo azul e branco para os cozinhados da minha mãe.

Pelo meio da minha adolescência comecei a dar conta de que faltavam aqui e ali, na entrada do prédio alguns azulejos; passei a encontrar muitas vezes areia amarelada no chão e algumas vezes até lascas de azulejos (a camada de porcelana neste azulejos é deveras fininha e o restante azulejo é feito de uma mistura de areia assim, quando retirado à força e por mãos que levianas, esboroam-se e partem-se)
Por essa altura também, lembro-me de um feirante chico esperto, a Feira da Ladra é logo ali, ter abordado o meu pai, tal como fez a outros vizinhos, tentando convencer o meu pai a dar-lhe todos os azulejos da nossa cozinha em troco de uma cozinha nova que ele mandaria montar com os azulejos todos branquinhos, muito mais modernos e fáceis de limpar (sic).

Nunca aqueles azulejos dali sairam!
Até ao dia em que o prédio foi comprado e entrou em obras…

Uma entidade esquisita (para mim até hoje aquilo não é bem claro) comprou o prédio e entregou-o nas mãos de um empreiteiro manhoso; os inquilinos foram obrigados a sair temporariamente (claro que isto só depois de ter havido acidentes no prédio com gente a afundar-se soalho abaixo no piso, pernas partidas e afins…) e quando voltaram…tchanam!

CADÊ OS AZULEJOS?!
Nada nas paredes, nos muretes, nas cozinhas…NADA!
Um prédio centenário e majestoso tinha agora as paredes da entrada nuas, pintadas a tinta de areia, a escadaria de madeira foi substituida substituida por mosaico ranhoso, bem como todo o resto do chão, as paredes desta escada azulejos azul cueca, bem como foi feito prédio acima, e os corrimãos, senhores os corrimaos… o ferro pintado de cor-de-rosa!

Podia contar-vos mais atrocidades que foram feitas a este prédio porque as há, tantas e tantas (onde foi parar o palco que estava no salão desde os tempos da républica? E os livros?) mas penso que já tenham percebido porque me tocou tanto esta fotografia.

P.S - Ontem guardei este post para o publicar hoje e inacreditávelmente, acabo de encontrar este outro post sobre o mesmo tema; não sei mesmo se a foto que ontem encontrei não terá vindo, originalmente, de lá. Seja como for aqui fica o link para que se veja que mais gente é sensível a este tema.

8 comentários:

  1. Há uns tempos, talvez um ano ou mais, vi uma reportagem sobre estes atentados ao nosso património. Nada escapa, azulejos, gárgulas, ferragens, fontenários...

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  2. Que história tão triste! Sobretudo sabendo que coisas parecidas continuam a passar-se por aí. E sim, a imagem é originalmente do meu post, mas publiquei-a de maneira a que todos os que quiserem possam partilhá-la e imprimi-la para chamar a atenção para este problema.

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    1. Olá Rosa Pomar!
      Bem vinda e muito obrigada pela visita.
      É de facto bem triste e revoltante e eu não me conformo com ela (até ao presidente da CML me queixei uma vez que o apanhei em visita à zona), mas aparentemente ninguém quer saber...

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  3. É um atentado à beleza dos edifícios antigos!

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  4. Os azulejos, a calçada que em vez de arranjada (mantendo assim uma profissão em vias de extinção) vai sendo mal coberta de alcatrão, tornando o resultado final ainda mais perigoso que a calçada gasta que lá estava, os prédios a ruírem em frente aos nossos olhos, os velhotes desalojados destas ruínas e realojados sabe-se lá onde, longe dos poucos compinchas vivos que ainda têm para que os prédios que libertaram sejam recuperados e vendidos a preços que não lembram nem ao menino Jesus, tirando assim os bairros típicos a quem lhes pertence há gerações sem conta e entregando-os ao hipsters...
    É pena. É triste.

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  5. Um verdadeiro atentado ao património cultural português. Esses azulejos antigos normalmente eram azulejos em relevo, lindíssimos... Actualmente, e à falta dos originais, já se encontram réplicas desses modelos antigos, mas não têm nada a ver... Boa noite!

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  6. Vai tudo, Sexinho... aqui há dois meses roubaram parte das ferragens do corrimão do hall do meu prédio...

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